A maioria dos políticos bolsonaristas com mandatos em Mato Grosso do Sul calou-se sobre a operação deflagrada nesta sexta-feira pela Polícia Federal para aprofundar a investigação de um esquema de desvio e venda no exterior dos bens dados de presente ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) em missões oficiais, portanto, pertencentes ao patrimônio público.
Batizada de Lucas 12:2, em referência ao versículo bíblico que diz “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”, a operação apontou que os recursos gerados com a venda de joias dadas de presente ao governo brasileiro eram repassados para Bolsonaro em dinheiro vivo.
Foram alvos de busca e apreensão o general da reserva Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, o advogado Frederick Wassef, o assessor Osmar Crivelatti e o próprio Mauro Cid, que teriam, conforme a investigação da PF, faturado pelo menos R$ 1 milhão com a venda dessas joias.
O Correio do Estado procurou os três deputados estaduais do PL Coronel David, Neno Razuk e João Henrique Catan , o deputado estadual do PRTB, Rafael Tavares, os deputados federais do PL Marcos Pollon e Rodolfo Nogueira , o deputado federal Dr. Luiz Ovando (PP-MS) e a senadora Tereza Cristina (PP-MS), porém, apenas João Henrique Catan e Marcos Pollon comentaram o fato e se solidarizaram com Bolsonaro.
“Bolsonaro usa um relógio da marca Casio, de plástico. Se ele ganhou um relógio caro e não quis ficar com ele, ou pior, teve de vender para pagar a conta do ativismo judicial, não vejo problema”, ressaltou o parlamentar sul-mato-grossense.
Para ele, “hipocrisia é usar um relógio Piaget na mão que falta um dedo, ser condenado por desvio de recurso público, gastar fortuna em hotel caro e depois exigir distância do povo, fingindo gostar de estar no meio do povo que o elegeu”.
João Henrique Catan referiu-se ao relógio usado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em tempo, recentemente, Lula revelou que o relógio Piaget, avaliado em R$ 84 mil, foi um presente que ganhou no seu primeiro mandato e o encontrou em meio ao seu acervo, onde estariam milhares de presentes recebidos durante os dois mandatos.
“Bolsonaro usa um relógio da marca Casio, de plástico. Se ele ganhou um relógio caro e não quis ficar com ele, ou pior, teve de vender para pagar a conta do ativismo judicial, não vejo problema”
-João Henrique Catan, sobre a investigação
Já Marcos Pollon disse que se trata de mais uma ação da esquerda para denegrir a imagem do ex-presidente da República.
“Ao que parece, é apenas mais uma narrativa criada pela esquerda para tentar denegrir a imagem do presidente Bolsonaro. Sei que o presidente é um homem extremamente íntegro”, reforçou o parlamentar sul-mato-grossense.
Juristas
Procurado pela reportagem para saber se o ex-presidente Jair Bolsonaro pode ser preso, o advogado campo-grandense André Borges, que atua há décadas em causas que tramitam em instâncias superiores, como Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), disse ao Correio do Estado que já viu essa história inúmeras vezes no Brasil.
“Um ex-presidente sendo investigado de variadas formas destruindo sua imagem, especialmente a eleitoral. Forças poderosas que assumiram o poder. Tudo é muito triste, se não fosse cômico”, argumentou o advogado.
Quanto às joias, André Borges garantiu à reportagem que dificilmente Bolsonaro será preso. “Duvido sobre eventual prisão, que, se ocorrer, será ilegal, porque assuntos não contemporâneos só podem levar à prisão depois de condenação definitiva e, no momento, inexiste qualquer processo judicial acerca do assunto”, declarou.
Já o advogado Jodascil Gonçalves disse à reportagem que os fatos narrados pela mídia precisam ser verificados dentro de um processo quanto à defesa e assegurado o contraditório, mas, conforme o que é noticiado, “me parece haver os elementos dos delitos de peculato”.
“Trata-se de um delito próprio e que só pode ser cometido por funcionário público. Então, parece haver crime de peculato cometido pelo ex-presidente da República ao apropriar-se ou desviar essas joias que eram presentes oficiais, então não eram presentes pessoais, mas oficiais ao governo federal”, reforçou o jurista.
Para ele, há os elementos do Artigo 312 do Código Penal e também há elementos, pelo que se noticia, de lavagem de capitais, uma vez que há a reinserção desse bem apropriado ou desviado com a venda desses objetos no mercado americano.
“Poderia até falar que não seria o mesmo ato de peculato ou o ato de lavagem, mas não, eu tenho dois atos diferentes, que é o momento da apropriação ou do desvio, e tenho um ato subsequente, que é da reinserção, portanto, consigo, teoricamente, configurar os dois delitos”, assegurou.
Jodascil Gonçalves ressaltou que, como se tem uma possível materialidade de dois delitos, é possível, sim, um pedido de prisão preventiva.
“Se há elementos da preventiva, me parece que sim. O primeiro alerta que tem de ser feito é que a prisão preventiva nunca pode se basear no tipo penal em si. Não é porque o tipo penal é muito grave que haverá prisão preventiva. A prisão preventiva é analisada por elementos extra tipo penal”, explicou.
O advogado acrescentou que são três elementos que têm de estar presentes para que haja a possibilidade de prisão preventiva.
“A garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Me parece que é, sim, bastante conveniente que está claro, pelo menos no que se noticia, a conveniência da prisão preventiva do ex-presidente para a garantia da instrução”, afirmou.
Na avaliação do jurista, há atos posteriores ao cometimento do delito, que são voltados a ocultar provas.
“Como o caso da recompra do relógio que foi vendido nos Estados Unidos. Então, na minha opinião, segundo o que se noticia, há elementos, tanto do Artigo 312, que é o peculato, quanto da lavagem, para a decretação da prisão preventiva de Jair Bolsonaro”, pontuou.
No entendimento do professor de Processo Penal e Filosofia do Direito, advogado Benedicto Arthur de Figueiredo Neto, não tem o menor cabimento se falar em decreto de prisão preventiva por fatos passados de Jair Bolsonaro, que foi presidente da República e nem sequer está exercendo qualquer função pública no momento.
“O que ocorre no Direito Penal no atual cenário político do Brasil contra agentes públicos é uma deturpação e utilização do Direito Penal como forma de vingança e revanchismo a fim de se fazer a destruição da imagem de uma pessoa, que é a pior pena que uma figura pública pode sofrer”, reforçou Benedicto Neto.
Ele acrescentou que “o desejo de se dizer que esse ou aquele político é criminoso e logo em seguida vir o reverso da moeda no ‘payback’, é uma utilização maléfica e errônea, a fim de colocar o Direito Penal em tábula rasa para resoluções de situações comezinhas, em vez de utilizá-lo para o que realmente foi criado, que é o combate a crimes graves que realmente ocorreram, e não suposições, hipóteses ou conjecturas com vieses políticos, isso não é a função do Direito Penal”.