A execução de um jovem em plena luz do dia chamou a atenção sobre a rixa entre as gangues da Vila Nhanhá e do bairro Moreninhas, em Campo Grande. Nos dois bairros, os moradores convivem com o tráfico de drogas e acreditam na impunidade das gangues. Sem outra alternativa, os moradores contam que só resta se conformar e não arranjar confusão com os ‘negócios’ da região. Enquanto isso, alguns adolescentes se inspiram e veem o tráfico como uma carreira de sucesso.
Na Vila Nhanhá, os moradores contam que a rotina é viver trancado dentro de casa e nunca deixar a residência desabitada por receio dos furtos. A dona de casa Dolores, que teve o nome alterado assim como os outros moradores na matéria, conta que o bairro é permeado pelo medo, já que os traficantes dominaram as ruas da Nhanhá.
“Tem em todo lugar, todo mundo tem uma história para contar. Tinha uma boca [de fumo] aqui do lado de casa, eles estavam sempre fumando ou vendendo aqui na frente, para todo mundo ver, eles não se importam”, diz.
Com endereço no Nhanhá há cerca de três anos, Maria é outra moradora que vive com medo do local onde mora. Ela conta que não deixa a filha, mesmo adulta, andar sozinha no bairro nem que seja por um quarteirão, até o ponto de ônibus. Para se sentir um pouco mais em paz, é comum que os vizinhos paguem por um segurança para circular pelas ruas da Nhanhá durante a noite e também para acompanhar os moradores em uma ‘carona’ de um ponto a outro do bairro.
No bairro Moreninhas, a situação não é diferente. Mesmo jovem, o estudante Hélio*, já até se ‘acostumou’ com o tráfico de drogas na frente de sua casa. Ele conta que veio morar no bairro há cerca de três anos e que tem traficantes como vizinhos. Segundo ele, não há qualquer cuidado em esconder as negociações de drogas e que os horários mais movimentados são ao meio dia e no fim da tarde. No fim de semana, a movimentação de ‘clientes’ é ainda mais intensa.
“Eu sei que não é uma coisa correta, mas a gente acaba se acostumando. Sabemos que eles não vão mexer com o pessoal do bairro, por isso é até tranquilo. A polícia não aparece quase nunca por aqui mesmo, então o que resta é fazer vista grossa”, conta.
Quem mora no Moreninhas sabe apontar uma boca de fumo em quase toda rua e ainda há alguns pontos públicos para a compra e consumo. Ao lado de uma escola estadual, uma pracinha serve de ponto de encontro para quem consome e vende drogas, como a maconha, principalmente.
A reportagem conversou com um grupo de jovens reunidos e que dizem usar a droga. Segundo eles, o acesso não é difícil. “É que nem com quem fica cigarro. Não tem sempre alguém no grupo com algum para oferecer? Com maconha é assim também”, diz.
Integrar uma facção pode se tornar um ‘sonho de carreira’
Em bairros tão marcados pelo tráfico de drogas, a influência chega a quase todos os lugares, inclusive na escola. A professora de uma escola na Vila Nhanhá, que preferiu não se identificar, conta que casos envolvendo alunos dependentes ou que têm pais que traficam são comuns. “Eu ensino educação infantil, mas sei que entre os alunos mais velhos a influência é forte. Os alunos são rebeldes e às vezes até chegam para a aula alterados. Muitos são filhos de pais traficantes, a gente percebe a diferença no comportamento”.
Já em uma escola estadual do bairro Moreninhas, alunos envolvidos com o tráfico de drogas não são raros, entretanto, os estudantes dificilmente permanecem até o fim do ano letivo. A diretora adjunta de uma escola estadual do bairro, Analice da Silva Cruz, conta que, como o ensino é em tempo integral, os estudantes envolvidos com drogas não conseguem se manter durante todo o período.
“Eles não aguentam ficar o dia inteiro, não tem jeito. Eles até entram na escola, mas acabam fugindo no meio do período. Depois, começam a faltar. Os pais destes alunos também não costumam se envolver com a educação, então eles logo mudam de escola”, diz.
Em anos de trabalho com a educação, a diretora já trabalhou com adolescentes envolvidos com o tráfico. Segundo ela, a influência muitas vezes já vem de uma família envolvida com o crime. “Eu nunca vou me esquecer de um aluno meu que chegou a ser preso. Eu perguntei a ele se tinha valido a pena e ele rebateu: ‘Quantos anos você levou para comprar o primeiro carro?’. Nossa, eu levei muito tempo para juntar este dinheiro. Ele me disse ‘Pois é, eu só precisei de uma semana’”, conta.
A diretora ainda relembra da conversa que ouviu de alunos que foram parar na coordenação por mau comportamento. Enquanto esperavam, os adolescentes mantinham uma conversa de ‘gente grande’: discutiam como o negócio funcionava no bairro e qual seria a estratégia para dominar outros bairros.
A estudante Maria Eduarda, de 17 anos, também afirma que histórias de adolescentes que aspiram uma profissão no tráfico não comuns. Segundo ela, muitas vezes nos jovens podem até não usar a droga, mas fazem ‘pose’ para participar das gangues. Já o estudante Hélio explica que por mais que seja um crime, muitas vezes o tráfico é a única referência para os jovens do bairro. “Eu não julgo tanto porque por mais que seja errado, muitas vezes ele já tem aquela referência dentro da família. Ele cresceu com aquilo, ele vai querer participar também”.
Já entre os jovens envolvidos com o vício na droga que permeia o bairro, a diretora conta que a substância surge como um consolo para a baixa autoestima e para a falta de apoio na família. “Este jovem muitas vezes olha no espelho e não gosta do que vê. Ele vai procurar um alento, ele quer ser visto como descolado pelos colegas. Além disso, ele muitas vezes está numa família desestruturada”.
Fonte: Midiamax
Foto: Thauanny Maíra