Juiz absolve preso por desacato e diz que “bosta” pode até ser elogio

Sentença que já tem três meses, mas só agora “ganhou as ruas” está provocando polêmica entre os guardas municipais de Dourados, a 233 quilômetros de Campo Grande, e também entre agentes de outras forças de segurança que tomaram conhecimento. Ao analisar denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) contra rapaz detido por resistência e desacato, o juiz Caio Márcio de Britto, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal, entendeu que não caracterizou ofensa aos agentes de segurança o fato de o réu tê-los chamado de “bostas”.

“No entendimento deste magistrado, muita relevância para tão pouca coisa”, escreveu Brito ao absolver Daniel Henrique Moreno da Silva, 23 anos, flagrado no dia 13 de outubro de 2018 quando pilotava motocicleta sem ter habilitação.

Para o magistrado, inclusive, a palavra pode ser dita de forma positiva. “Aliás, ser chamado de “bosta”, dependendo da conotação, pode ser até um elogio, sim, porque “bosta” pode ser visto como fertilizante, portanto, algo positivo”, anotou em trecho da sentença. O verbete bosta aparece nove vezes na decisão judicial

Em outras palavras, Britto avalia que os guardas se desvalorizaram ao dar importância à declaração, classificando-a como desacato. “Pensar que o fato de ser chamado de “bosta” faz com que os que utilizam a farda da Guarda Municipal se sintam desacatados, é ter a certeza de que se sentem sem nenhuma relevância em relação às suas honradas funções, a ponto de entenderem que o simples pronunciamento da palavra “bosta” pudesse ser tão ofensivo”, afirma.

Para o magistrado, além de pode ser elogiosa, o verbete pode ser visto “como um objeto ou até um avião, quando se diz: esta “bosta” voa?”. Ou, escreve a autoridade do Judiciário, “utilizado de forma coloquial, quando se diz, a vida está uma “bosta”. Para ele, em nenhum desses exemplos, “pode ser traduzido como um desacato, como uma ofensa ao exercício da função”.

Conforme o despacho, o próprio acusado reconheceu ter chamado os agentes públicos de “bosta”, “todavia, sem se referir à instituição Guarda Municipal”. Isso significa, para o magistrado, que “se referidos agentes se sentiram tão ofendidos por terem sido comparados com “bosta”, caberia a eles, no âmbito privado, ingressarem com queixa-crime contra o ofensor, imputando-lhe a injúria”.

Quanto ao crime de resistência, a decisão também foi de absolvição e ainda houve críticas pelo uso de algemas para a detenção de Daniel. “O próprio Ministério Público Estadual, em alegações finais, disse que não existiriam provas aptas a autorizar uma condenação neste sentido. Sob o entendimento deste magistrado, não só não existiram provas aptas a condenar o acusado pelo delito de resistência, como ficou demonstrado, pelo depoimento dos policiais, que não houve resistência na abordagem”, sentenciou Caio Márcio de Britto.

Como foi – No termo circunstanciado de ocorrência lavrado sobre o episódio, está descrito que a detenção ocorreu no Parque das Nações, onde o rapaz tem residência. Conforme o documento, ao ser flagrado pilotando a moto sem habilitação para isso, Daniel se irritou e declarou “vocês não são polícia, meu pai é sargento da PM, e vai resolver essa merda, seus bostas[…]”. A Defensoria Pública representou o rapaz e argumentou que ele ficou nervoso ao ser abordado. Ele admite o crime de resistência, mas não o de desacato.

A sentença é de 20 de setembro, mas o MPMS só foi intimado no dia 29 de dezembro de 2019, conforme o andamento processual. Cabe recurso.

É ofensa sim – Ouvido pelo Campo Grande News, o comandante da Guarda Municipal de Dourados, Divaldo Machado de Menezes, disse que a decisão judicial deixou a tropa bastante “chateada”, assim como provocou manifestações de apoio de integrantes de outras corporações. “Ele como juiz pode despachar a sentença incriminando ou absolvendo o réu da forma que entender, porém não concordo que o termo “bosta” não seja uma ofensa ou não seja pejorativo como ele disse”.

O comandante da Guarda encerra a fala com uma provocação ao magistrado. “Acredito que se o agente público de segurança de qualquer instituição chegasse na audiência de custódia diante do juíz e chamasse o acusado de bosta creio que seria indiciado”.

Como ainda se trata de decisão de primeiro grau, ainda cabe recurso, tanto diretamente ao magistrado quando nas instâncias superiores. Os crimes atribuídos ao réu têm, cada um, penas máximas de dois anos, considerando de menor potencial ofensivo.

Em tempo –  No Dicionário Michaelis, a palavra bosta aparece com cinco significados: excremento de qualquer animal ou de seres humanos, pessoa mole ou indolente, coisa malfeita ou de qualidade inferior e ainda indivíduo desprezível ou insignificante e, por fim, indica aborrecimento, contrariedade, descontentamento ou desprezo. O sinônimo é merda.

Com informações Campo Grande News