É preciso estimular a presença feminina na indústria do cinema

O reconhecimento da mulher brasileira no mundo do audiovisual passa pelo trabalho das diretoras Laís Bodanzky e Susanna Lira. Mas, segundo elas, a luta pela diversidade e protagonismo das mulheres nesse espaço predominantemente masculino não é fácil e ainda tem muitos desafios a serem vencidos.

No jardim da casa da poetisa goiana Cora Coralina, na cidade de Goiás (GO), as diretoras, junto com a atriz Bruna Linzmeyer, participaram de uma conversa sobre o espaço das mulheres no cinema. O evento faz parte da programação do 20º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), que acontece até domingo (10) na cidade do interior do estado de Goiás.

Diretora de filmes como Bicho de Sete Cabeças e Como Nossos Pais, Laís vive o cinema desde a infância com o pai, o cineasta Jorge Bodanzky, e não teve dificuldades para entrar na profissão. “Eu desmitifiquei muita coisa, de que cinema é coisa de homem. Tive a oportunidade de observar meu pai e a verdade da profissão. Foi um interesse natural.”

No início da carreira, de maneira inconsciente, passou a retratar temas relacionados ao espaço da mulher na sociedade, como no filme Cartão Vermelho, de 1994, sobre uma adolescente que jogava futebol com os meninos. “Eu vejo uma diferença ao longo desses anos da tomada de consciência”, disse, contando que hoje essa reflexão sobre as desigualdades de gênero já está amadurecida.

Para ela, as estruturas sociais sempre levaram a mulher a ficar à margem em muitos setores, mas cabe à mulher fazer essa mudança e definir os seus próprios limites. “Quem faz a mudança é quem o calo está doendo. Podem falar o que quiserem, mas cabe a nós colocar os limites”, disse, ressaltando que o movimento das grandes atrizes do cinema, por exemplo, tem sido muito importante para o movimento geral das mulheres no mundo.

No caso da documentarista Susanna Lira, a vontade de trabalhar com o gênero surgiu durante a faculdade quando conheceu o filme Um Cabra Marcado para Morrer, de Glauber Rocha. As referências na vida de Susanna foram a avó contadora de história e a sua mãe, que a criou sozinha. “São mulheres fortes que desbravaram o mundo antes de mim, as maiores referências de que eu poderia fazer as coisas e compartilhar com o mundo masculino de maneira mais igual”, contou.

De forma natural, a diretora também elegeu as mulheres como protagonistas de seus filmes. “Não canso de olhar para a complexidade da mulher no mundo”, disse. “Tudo que eu faço é engajado […] Penso em quais imagens estou produzindo que vão permanecer”.

Mesmo diante dos fortes padrões estabelecidos, para Susanna, é preciso estimular a presença feminina na indústria do cinema também na formação das equipes de trabalho, que podem contar com mais mulheres em todas as funções nos bastidores e sets de filmagem.

A posição da atriz Bruna Linzmeyer na indústria do audiovisual é mais vulnerável, mas para ela é fundamental o reconhecimento que o feminismo deu ao lugar de fala das mulheres. Ela conta que já passou por muitas situações de pequenos assédios, que só fizeram sentido depois que amadureceu seu entendimento. “Eu não sabia que as situações que vivi e que fiquei constrangida, que isso era assédio. Poderia ser só assédio moral, mas às vezes era sexual também”.

Representatividade

Para Bruna, a representação da mulher no cinema e na televisão é silenciado e está, na maioria das vezes, relacionada aos homens da história, à maternidade, são sexualizadas, solitárias ou mesmo infantilizadas. “A mulher, na maioria das vezes, não é humanizada”, disse, alertando para a necessidade de pensar papéis que representem outras histórias vividas por mulheres, inclusive das mulheres negras, gordas, lésbicas e nas suas diversas realidades.

“É uma verdadeira jaula que nos colocaram e que temos que romper, que é o imaginário do que é ser mulher”, ressaltou a diretora Laís Bodanzky, sobre a representatividade da mulher nas telas. Segundo ela, entretanto, há um movimento de mulheres assumindo seus corpos, sem ter que se adequar a esse imaginário de mulher frágil e de corpo “perfeito”, como o audiovisual vendeu como ser uma mulher.

Na teledramaturgia, segundo Bruna, é mais complicado romper com esses padrões de uma estrutura patriarcal. “A televisão mantém o status quo do que é ser mulher, com todos os clichês que estamos tentando quebrar”, disse, contando que, por vezes, as mulheres que estão inseridas nesse meio, conseguem fazer pequenas alterações nas personagens. “É essa infiltração feministas que vai mudando ao longo prazo essa realidade”, ressaltou.

Fonte: Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil