A possível aplicação da recente Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) acabou gerando troca de farpas entre juiz e advogados. O “entrevero” foi observado no processo que trata da transferência do policial civil Márcio Cavalcanti da Silva, suspeito de envolvimento com a milícia armada supostamente liderada pelos Name, para o Presídio Federal de Mossoró (RN). Ontem, o juiz Mário José Esbalqueiro Júnior, da 1ª Vara de Execução Penal de Campo Grande e responsável pela remoção de Márcio – também de Jamil Name, Jamil Name Filho e Vladenilson Daniel Olmedo –, determinou a inclusão definitiva do grupo na unidade do Rio Grande do Norte, o que poderá se dar por 365 dias.
Os advogados de Cavalcanti, Laércio Arruda Guilhem e Antônio Silvano Rodrigues Mota sustentam que o policial, pela condição profissional e como preso provisório (sem condenação), não pode ser colocado em presídio, mas, sim, em cela de delegacia, conforme a Lei Orgânica da Polícia Civil e outras leis. Argumentam que a contrariedade a esse direito poderia incorrer em abuso de autoridade.
Do outro lado, o magistrado, alegando intenção de evitar situação de mais violência em Mato Grosso do Sul (o grupo é acusado de crimes de pistolagem), com risco de novos crimes graves/violentos, determinou a inclusão dos Name, Cavalcanti e Olmedo em celas de isolamento no Rio Grande do Norte.
Na decisão, Mário Esbalqueiro entendeu que a defesa, ao sustentar a não transferência, o teria ameaçado de representação. “Finalmente, impõe-se aqui um parêntese para responder à atuação lamentável da defesa do policial e réu Márcio Cavalcanti da Silva, com verdadeira tentativa de intimidação deste juízo”, disse o magistrado. Afirmou, ainda, que “a defesa, aparentemente, imputa crime a este juiz, caso não atenda aos interesses da defesa, reportando-se à chamada Lei de Abuso de Autoridade, ou para muitos estudiosos do direito, a Lei da Impunidade”.
Para o juiz, a sua atuação limita-se a neutralizar a atuação de grupo apontado, com base em provas razoáveis, como possível organização criminosa.
“Este juízo admira e respeita a importância de nossos policiais, mas, em caso de fortes indícios de envolvimento com o crime, cabe ao Judiciário zelar pela fiel aplicação da lei”, ressaltou.
Ainda para Mário Esbalqueiro, nenhuma das legislações invocadas pelos advogados se sobrepõe ao tratamento de organização criminosa (lei especial), sobre a qual o debate foi bastante alimentado pela necessidade de combate às milícias do Rio de Janeiro. “Portanto, pode, sim, ocorrer a motivada inclusão federal do preso policial, dentro de uma interpretação sistemática da legislação, resguardando sua integridade física no presídio”. No entender do magistrado, a conduta da defesa “demonstra a que veio a Lei de Abuso de Autoridade (ou da Impunidade). Serve para tentar intimidar profissionais que atuam na realização de justiça, neste caso concreto, o juiz”.
Por fim, Mário Esbalqueiro frisa: “Advirto aos causídicos que este magistrado não se curva nem se curvará a ameaças e que sempre exercerei a função pela qual jurei respeitar as leis e a Constituição”.
DE DIREITO
Já o advogado Láercio Guilhem explicou que não fez nenhuma ameaça ao juiz do processo, mas tão somente requereu o que entendeu ser de direito ao cliente, no caso, a aplicação daquilo que está estabelecido em lei.
Em petição dentro do processo que trata da transferência dos presos a presídio federal, o advogado, ao citar leis que na sua interpretação respaldam o direito do preso, destacou que a garantia deve ser assegurada, “sob pena de incorrer em abuso de autoridade”.
Laércio Guilhem, na mesma petição, reforçou que o Ministério Público já havia emitido parecer favorável à transferência do agente para uma unidade policial, requerendo que fosse expedido ofício à delegacia com urgência para que informasse se no local havia cela disponível para recolhimento do custodiado. “Em sendo positiva a resposta, desde já o MP manifesta-se pelo deferimento do pedido de recolhimento do requerente na 3ª Delegacia de Polícia”, teria dito a Promotoria de Justiça.
Para o advogado, o caminho agora é recurso às instâncias superiores, para que a lei seja cumprida.