Pelé comemora 50 anos de seu histórico milésimo gol na carreira

Há meio século, no dia 19 de novembro de 1969, uma quarta-feira de rodada do extinto Torneio Roberto Gomes Pedrosa, saiu o gol mais esperado de Pelé, o milésimo. A partida entre Vasco e Santos, realizada no Maracanã naquela noite, entrou para a história do futebol. Ainda hoje, o lance é lembrado em detalhes. Aos 34 minutos do segundo tempo, Pelé correu para receber passe em profundidade de Clodoaldo e foi derrubado dentro da área. O árbitro Manoel Amaro de Lima marcou pênalti. Não havia VAR nem tantas câmeras no campo.

A expectativa pelo milésimo gol de Pelé atravessou fronteiras e se tornou um fenômeno internacional. Jornalistas estrangeiros vieram ao Brasil para acompanhar o milésimo gol. “É um acontecimento que interessa a todos”, justificavam. A expectativa era tanta que emissoras de TV fizeram a transmissão da partida mesmo diante de uma proibição imposta pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos), atual CBF. Explica-se o motivo pelo qual o milésimo gol de Pelé era tão aguardado pelos torcedores: ele quase foi marcado no Recife, em João Pessoa saiu o 999.º e em Salvador um chute no penúltimo minuto de jogo bateu na trave. Goleiros tentavam impedi-lo.

Depois de muita reclamação dos jogadores do Vasco, principalmente do goleiro Andrada, o Rei do Futebol, enfim, pôde partir para a cobrança. “O Maracanã lotado estava gritando meu nome. Fiquei nervoso. Quando ajeitei a bola, os jogadores do Santos foram todos para o meio de campo. Pedi ajuda a Deus, a Nossa Senhora…”, contou ao Estado o Rei do Futebol, com detalhes de uma história única de meio século.

Vários fotógrafos estavam atrás do gol. Pelé esperou com os braços na cintura pelo momento decisivo. Ele ajustou os meiões e partiu para a cobrança. Da entrada da área, ele andou devagar, exatos cinco passos com direito a uma “paradinha”, até chutar a bola com o pé direito, rente à trave esquerda de Andrada. O goleiro acertou o lado e quase defendeu, mas a bola cruzou a linha às 23h17. “A bola branca atravessou a linha de gol aos 34 minutos, 12 segundos e 9 décimos, para estabelecer uma ponte entre a realidade e a fantasia: o milésimo gol de Pelé”, publicou o Estado no dia 20 de novembro de 1969.

A reação de Pelé foi instintiva. Assim que estufou a rede, o Rei foi direto ao gol para pegar a bola e beijá-la e acabou cercado por fotógrafos, cinegrafistas e repórteres, enquanto seus companheiros de Santos, liderados pelo capitão Carlos Alberto Torres, o esperavam no meio do gramado. Depois de simplesmente “sumir”, ele apareceu no ombro da multidão, levantou a bola para o céu do Rio de Janeiro e dedicou o gol às crianças mais desfavorecidas do Brasil.

“Pensem no Natal. Pensem nas criancinhas… Volto a lembrança para as criancinhas pobres, necessitadas de uma roupa usada e de um prato de comida. Ajudem as crianças desafortunadas, que necessitam do pouco de quem tem muito… Pelo amor de Deus, o povo brasileiro não pode perder mais crianças”, desabafou Pelé.

À época, Pelé chegou a ser chamado de demagogo. Agora, 50 anos depois, ele vê a situação das crianças brasileiras ainda pior. “Não era tão grave como é agora. As crianças eram mais bem tratadas lá atrás. Agora estão matando e abusando delas. Então, eu estava certo”.

O jogo parou, assim como o Brasil. Não havia regras para aquele momento especial. Nos ombros de Agnaldo e Carlos Alberto, o Rei do Futebol deu a primeira volta olímpica no Maracanã. Quando o locutor anunciou a sua substituição por Jair Bala, ouviu-se vaias. Na sequência Pelé surgiu vestindo uma camisa do Vasco, branca com uma faixa preta na diagonal. O Maracanã veio abaixo.

As vaias, então, foram abafadas por aplausos. O Rei deu nova volta olímpica. Quando terminou, ainda restavam dez minutos de jogo, mas o público, satisfeito, já começava a deixar o estádio

O GOLEIRO DO MILÉSIMO – O argentino Andrada, goleiro do Vasco, não conseguiu defender aquele histórico pênalti em 19 de novembro de 1969. Apelidado de “Gato”, ele foi um dos pilares do Rosario Central na década de 1960 antes de se transferir para o clube carioca, onde jogou de 1969 a 1975. Depois de passar um ano no Vitória (1976), ele voltou à Argentina para defender o Colón (1977-1979) e o Renarto Cesarini (1982). Também vestiu a camisa da seleção argentina na Copa América da Bolívia de 1963. Andrada morreu em 3 de setembro de 2019, aos 80 anos.

GOL DE PLACA – O jogo foi uma festa do começo ao fim. Antes do apito inicial, um dos vestiários do Maracanã recebeu uma placa e o nome de Pelé, em homenagem ao golaço marcado pelo Rei contra o Fluminense em 1961 – o lance, inclusive, deu origem à expressão “gol de placa”. Uma das cabines de transmissão também passou a ter o nome de Pelé.

HOMENAGENS – Meio século depois do seu milésimo gol, o Rei do Futebol recebeu no Museu Pelé o presidente do Santos, José Carlos Peres, e craques do passado que atuaram com ele no Santos, como Dorval, Mengálvio, Pepe e Clodoaldo. Todos queriam abraçá-lo. Ele admitiu ao Estado ter chorado de emoção. “Vê-los me fez chorar escondido. Todos jogaram comigo no Santos. Foi uma surpresa maravilhosa. O mais importante na vida é ter alguém dizendo que te ama, que te respeita, que agradece sua companhia. Isso é o maior prêmio”.

Pelé recebeu uma placa comemorativa pelos 50 anos do milésimo gol. O texto diz: Um lance que mudou a história do futebol. Um homem, um goleiro e uma bola. Por um milésimo, o mundo vestia um manto branco. Há 50 anos, o maior de todos os tempos marcava o gol e dedicava ao futuro.